domingo, 23 de junho de 2013

Fifa da ultimato e Brasil pode suspender Copa das Confederações

RIO  - Os protestos nas ruas das cidades brasileiras  exigem que a Fifa passe a negociar com seleções para que se mantenham na Copa das Confederações. Por lei, a falta de garantias de segurança pode fazer o torneio ser cancelado.

Isso é o que está estipulado na Lei Geral da Copa e que permite que, se o país sede não der sinais de que tem como garantir a segurança de delegações e torcedores, além de funcionários da Fifa, o evento pode ser simplesmente suspendido. Nesse caso, um seguro bilionário seria acionado.

Ao Estado, a assessoria de imprensa da Fifa garante que o debate do cancelamento da Copa não ocorreu por enquanto e que essa possibilidade não foi debatida entre a entidade e os organizadores da competição. O Comitê Organizador Local também insistiu que, até as reuniões do final do dia de quinta-feira, essa possibilidade não foi colocada sobre a mesa.

Uma decisão que poderia mudar o rumo do torneio, porém, seria uma declaração por parte do governo de que, diante do momento vivido pelo Brasil, não haveria como manter a organização do torneio e sua segurança.

O Estado revelou em sua edição desta quinta-feira que dirigentes da Fifa montaram uma estratégia para tentar blindar a Copa. Mas os acontecimentos tem superado as previsões dos dirigentes que, nos últimos dias, não disfarçam estar perdidos em relação ao que ocorre no Brasil.

Mas cresce a pressão por parte de delegações, da imprensa estrangeira e por parte mesmo de funcionários da Fifa diante da violência. A seleção italiana já se queixou à entidade, preocupada com a segurança de seus jogadores, e quer mais garantias de que não serão atacados. Nesta quinta, foi divulgada a informação de que jogadores espanhóis foram furtados em seu hotel.

Dois carros da Fifa ainda foram atacados em Salvador, enquanto os funcionários foram orientados a não sair mais às ruas vestidos com uniformes da Fifa. A seleção da Nigéria também foi orientada a não fazer passeios turísticos.

O presidente da Fifa, Joseph Blatter, já deixou o Brasil. Mas a entidade insiste que não se trata de uma fuga, e sim de uma viagem para acompanhar o torneio sub20 da Fifa. O governo brasileiro, porém, afirmou que não sabia da viagem de Blatter e que pensava que ele cumpriria sua agenda, com previsão de ficar no Brasil até o final da Copa.

Um eventual cancelamento do torneio representaria perdas bilionárias para o Brasil e para a Fifa. Para cobrir parte desses problemas, a entidade conta com um seguro que teria de compensar milhões em dólares em contratos.


Palavras-chave | copa do mundo, brasil, fifa, manifestações, segurança, suspensão

Lei quer proibir a polícia de divulgar imagens de mortos em acidentes e crimes

A Câmara analisa o Projeto de Lei 5012/13, da deputada Aline Corrêa (PP-SP), que obriga as autoridades competentes a zelar pela preservação da dignidade de vítimas fatais de acidente ou de crimes, evitando sua exposição pública e o uso indevido de sua imagem.

A proposta altera o Código Civil (Lei 10.406/02), que já permite a proibição da “divulgação de escritos, a transmissão da palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.

Em se tratando de pessoas mortas ou ausentes, o Código Civil estabelece que o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes são partes legítimas para requerer essa proteção.

“O que nos motiva a apresentar este projeto de lei é a exposição desmesurada e sem nenhum critério dos corpos de vítimas fatais de acidentes ou de crimes”, disse a deputada. “Essa exposição indevida se dá de duas formas: no local do evento, no qual nenhuma medida concreta, como a colocação de biombos, é tomada para evitar a exposição pública da vítima, ou pela divulgação de suas fotos pela imprensa e pela internet”, acrescentou.

Tramitação

A proposta, que tramita em caráter conclusivo, será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.


Palavras-chave | lei, proibição, polícia, divulgação, fotos, crimes, acidentes

sábado, 22 de junho de 2013

A epanáfora e a linguiça da presidenta Dilma

O professor Cláudio Cezar Henriques, de Língua Portuguesa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, reparou, contou e recontou que a presidenta Dilma, em seu discurso sobre os protestos que tomaram as cidades brasileiras, disse quatro vezes a frase "Essa mensagem direta das ruas".
Para o acadêmico, "trata-se de uma epanáfora, figura de linguagem de ênfase, popularmente conhecida como enchimento de linguiça".

A propósito, é de Nelson Rodrigues uma frase que, no contexto, pode conformar Dilma.
Dizia o famoso dramaturgo pernambucano nos idos anos 70, que "a verdadeira apoteose é a vaia; os admiradores corrompem."

Beijos, abraços e amassos no shopping

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As duas moças - de jeitos rígidos e sorrisos econômicos - aproveitavam as delícias do ar condicionado e da segurança no shopping para passear e extravasar, sem pudores, suas opções sexuais. De repente, um segurança foi acionado para “amainar as duas”, justo quando contemplavam a vitrine de uma loja de roupas íntimas femininas.
Ele constatou que “elas estavam em uma conduta de beijos, abraços e que se apertavam uma contra a outra”, razão pela qual pediu que “se retirassem, porque assim é o regulamento do shopping”.
Ofendidas, elas foram ao Juizado Especial pedindo reparação por dano moral decorrente de discriminação sexual. O juiz leigo colheu ampla prova testemunhal.
Um consumidor relatou que “as autoras estavam se abraçando e se beijando”. Até avaliou que “a forma de demonstração de carinho com que agiam as autoras não fugia da normalidade para os atuais tempos modernos”.
Uma consumidora disse que sequer chegou a ver beijos entre as autoras, mas apenas que “estavam abraçadas e conversando”. Tal testemunha confessou que "eu também sou homossexual e igualmente estava de mãos dada com minha namorada”.
Uma funcionária de loja contou ter ouvido o segurança dizer às autoras que “vocês não poderiam ficar agarradas naquele local devido às normas do shopping”. Em seguida, mandou que elas "levantassem acampamento"
O supervisor de segurança negou a discriminação na orientação do serviço, referindo haver intervenção somente em “casos de pessoas que extrapolam, com condutas inadequadas, ou beijos demorados”.
A presidente da associação dos lojistas, relatou ter sido informada de que “existiam duas moças aos amassos e excedidas, o que comprovou visualmente, acionando um segurança próximo, para que fosse conversar com elas”. Entendeu que essa conduta poderia constranger as famílias - especialmente com crianças.
A sentença de primeiro grau foi de improcedência, ponderando “os excessos dos beijos e apertos” e “o agir discreto do agente de segurança”.
A Turma Recursal dos JEC Cíveis do RS entendeu diferente. O acórdão fundamentou que “a conduta das autoras não era constrangedora, salvo sob o aspecto do choque inerente à moral heterossexual”. A partir disso, a constatação foi no sentido de que “houve discriminação, já que igual conduta, acaso praticada por um casal heterossexual, não teria a mesma interpretação”.
O relator fez longas digressões. “As pessoas são iguais. Ponto! As pessoas podem fazer tudo aquilo que não é proibido. Ponto! Manifestar amor e carinho não é proibido. Ponto!”.
Cada uma das autoras recebeu R$ 3 mil de reparação. Ponto!
Ponto final!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

NÃO CONFIE DEMAIS NOS AMIGOS

Em meados do século IX, um jovem chamado Miguel III assumiu o trono do Império Bizantino. Sua mãe, a imperatriz Teodora, fora para um convento, e seu amante, Teoctisto, assassinado; encabeçando a conspiração para depor Teodora e colocar no trono Miguel estava o tio de Miguel, Bardas, homem inteligente e ambicioso. Miguel era agora um jovem e inexperiente soberano, rodeado de conspiradores, assassinos e devassos. Neste momento de perigo, ele precisava de alguém em quem pudesse confiar para seu conselheiro, e pensou em Basílio, seu melhor amigo. Basílio não tinha nenhuma experiência em governo e política – de fato, ele era o chefe dos estábulos reais – mas tinha provado o seu amor e gratidão diversas vezes.

                Os dois haviam se conhecido há poucos anos, quando Miguel estava visitando os estábulos na hora em que um cavalo selvagem se soltou. Basílio, jovem cavalariço de uma famílio de camponeses da Macedônia, salvou a vida de Miguel. A força e a coragem do rapaz impressionaram Miguel, que imediatamente elevou Basílio da sua função obscura de treinador de cavalos para a de chefe dos estábulos. Ele cobriu o amigo de presentes e favores e os dois se tornaram inseparáveis. Basílio foi mandado ara a melhor escola de Bizâncio, e o rude camponês se transformou num cortesão culto e sofisticado.

                Agora Miguel era imperador e precisava de alguém fiel. A quem mais ele poderia confiar o posto de camareiro-mor e conselheiro-chefe senão ao jovem que lhe devia tudo?

                Basílio poderia ser treinado para a função e Miguel o amava como um irmão. Ignorando os conselhos de quem recomendava Bardas, muito mais qualificado, Miguel preferiu o amigo.               

                Basílio aprendeu bem e em breve estava aconselhando o imperador em tadas as questões de Estado. O único problema parecia ser o dinheiro – Basílio nunca tinha o suficiente. A exposição aos esplendores da corte bizantina o tornaram ávido pelos privilégios do poder. Miguel dobrou, depois triplicou o seu salário, deu-lhe um título de nobreza e o casou com sua própria amante, Eudóxia Ingerina. Um amigo e conselheiro tão confiável valia qualquer preço. Mas os problemas não pararam por aí. Bardas estava chefiando o exército, e Basílio convenceu Miguel de que o homem era ambicioso demais. Com a ilusão de que poderia controlar o sobrinho, Bardas havia conspirado para colocá-lo no trono, e poderia conspirar novamente, desta vez para se livrar de Miguel e assumir ele mesmo a coroa. Basílio destilou veneno nos ouvidos de Miguel até que o imperador concordou em mandar assassinar o tio. Durante uma importante corrida de cavalos, Basílio se acercou de Bardas no meio da multidão e motou-o com uma punhalada. Logo depois, Basílio pediu para substituir Bardas no posto de chefe do exército, de onde poderia controlar o reino e sufocar as rebeliões. Isso lhe foi concedido.

                Ora, o poder e a riqueza de Basílio só aumentava e, passado algum tempo, Miguel, em dificuldades financeiras por causa das suas próprias extravagância, pediu ao amigo que lhe devolvesse parte do dinheiro que durante vários anos lhe emprestara. Para espanto de Miguel, Basílio recusou com tamanha desfaçatez que o imperador percebeu de repente a encrenca em que se metera: o ex-calariço tinha mais dinheiro, mas aliados no exército e no senado e, no final, mais poder do que o próprio imperador. Passadas algumas semanas, depois de uma noitada bebendo muito, Miguel acordou cercado de soldados. Basílio ficou assistindo enquanto eles matavam a punhaladas o imperador. E aí, proclamando-se imperador, ele atravessou a cavalo as ruas de Bizâncio, brandindo a cabeça do seu ex-benfeitor e melhor amigo espetada numa lança.


ROBERT GREENE – AS 48 LEIS DO PODER

domingo, 16 de junho de 2013

O Monopólio Constitucional da Mídia Radiofônica e Televisiva (grifo nosso)

O art. 175 estatui: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Este dispositivo refere que tanto a permissão quanto a concessão de serviços públicos far-se-ão “sempre através de licitação”. Contudo, entre nós, quando se trata de concessão ou permissão de rádio ou de televisão, tal regra é inteiramente ignorada, seguindo-se, quando muito disfarçadamente, a velha tradição do mero favoritismo. Como se sabe é grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Neste setor reina – e não por acaso – autêntico descalabro. A questão é particularmente grave porque, em País de alto contingente de iletrados e no qual a parcela de alfabetizados que leem, mesmo jornal, é irrisória, o rádio e a televisão são os meios de comunicação que verdadeiramente informam e, de outro lado, formam, a seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os senhores de tais veículos dispõem de um poder gigantesco. Deveras, como a esmagadora maioria de brasileiros não acede, ou só muito episódica e restritamente o faz, a outras fontes de informação ou cultura (livros, periódicos, cinema, teatro), as “mensagens” radiofônicas ou televisivas não encontram resistência alguma; antes, com o perdão da imagem prosaica, “penetram como faca quente na manteiga”. Em suma: nada as rebate; nada obriga o emissor a ajustar-se a concepções do público-alvo, pois estas serão as que lhes queira inculcar. Dado que as emissões não se chocam com uma base cultural e ideológica medianamente consistente, o que só ocorreria se a população estivesse abeberada e subsidiada por outras fontes de informação ou cultura (capazes de, em sua mescla, engendrar um substrato de opinião dotado de alguma densidade), as mensagens do rádio e da televisão modelam livremente o “pensamento” dos brasileiros. Para servimo-nos, ainda uma vez, da linguagem popular, ao gosto dos protagonistas destes meios de comunicação, eles “fazem a cabeça” da Sociedade, sem quaisquer peias, modelando, a seu talante, tanto o brasileiro de hoje como o de amanhã, pois encontram um material quase informe, pronto para ser trabalhado. Não é de estranhar a eficiência dos resultados. Trata-se de uma tecnologia do Primeiro Mundo – e muitas vezes com uma qualidade e sofisticação só ali encontráveis -, operando sobre massas do Terceiro Mundo. O sucesso eleitoral de locutores, comentaristas ou “artistas” de rádio ou televisão comprova o envolvente poder destes meios de comunicações. Acresce que, para contemplar o quadro confrangedor, uma única estação de televisão detém índices de audiência nacional esmagadores, ensejados pelo sistema de cadeias ou repetidoras de imagem – sistema que, aliás, constitui-se manifesta burla ao espírito da legislação de telecomunicações. O pior é que não há fundamento para alimentar-se esperanças sérias de saneamento da atual situação. Pelo contrário. O tratamento escandaloso que a Constituição dispensou ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar forças tão poderosas – as maiores existentes no País. Veja-se: a disciplina da matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei Magna. Ali se estabelece que a outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização para radiofusão sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional apreciará tais atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei de iniciativa do Presidente, para os quais este haja demandado urgência. A outorga ou renovação só produzirá efeitos após deliberação do Congresso. Agora, pasme-se: para não ser renovada concessão ou permissão é necessário deliberação de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional e por votação nominal! Contudo, há mais, ainda: o cancelamento da concessão ou permissão antes de vencido o prazo (que é de 10 anos para as emissoras de rádio e de 15 anos para as de televisão) só poderá ocorrer por decisão judicial, contrariando, assim, a regra geral que faculta ao concedente extinguir concessões ou permissões de serviço público!


Celso Antonio Bandeira de Melo

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Município é condenado por demora em atendimento na saúde

O Município de Campo Grande foi condenado a indenizar C.R.B por danos morais em R$ 10 mil pela demora no atendimento na prestação dos serviços de saúde.

De acordo com os autos, C.R.B. ajuizou ação de reparação de danos materiais e morais em desfavor do Município de Campo Grande alegando a demora no atendimento em razão do acidente que sofreu enquanto trabalhava.

O trabalhador contou que no dia 2 de novembro de 2008 acidentou-se quando fazia a instalação de uma janela de vidro, cortando os tendões do pulso direito e que, pela gravidade da lesão, foi encaminhado à Santa Casa da Capital, oportunidade em que passou por uma cirurgia. Após permanecer por 30 dias com o pulso imobilizado, retornou a uma consulta no dia 19 de dezembro, quando recebeu o encaminhamento para um fisioterapeuta e para um neurocirurgião. O paciente deveria realizar ainda o exame de eletroneuromiografia para avaliar a real situação do membro operado, exame este agendado somente para o dia 25 de maio de 2009.

Conforme relatou o trabalhador, na consulta com o neurocirurgião, no Hospital Regional de Campo Grande, foi lhe solicitado a eletroneuromiografia de membro superior direito, o qual foi marcado para o dia 30 de junho de 2009.

Na referida data, o requerente compareceu ao Centro de Especialidades Médicas da Capital para a realização do exame, mas, ao apresentar a requisição, a atendente argumentou que o procedimento não poderia ser feito porque o médico havia preenchido errado a solicitação, pois não colocou no pedido também a análise do pulso esquerdo.

Tal negativa gerou preocupação no paciente, pois o neurocirurgião tinha sido taxativo ao afirmar que o exame deveria ser realizado o mais rápido possível, pela gravidade da lesão e necessidade de realizar o procedimento correto, como consta nos autos.

O médico, por sua vez, afirmou que as atendentes têm “real esclarecimento e poderiam ter resolvido a situação”, colocando no rodapé do requerimento a sigla e o código do procedimento a ser realizado, evitando-se a desnecessária demora. Com tudo isso, o exame pode ser realizado no dia 14 de outubro e o seu resultado foi entregue no dia 15 de outubro daquele mesmo ano.

A orientação médica era de que seria necessária outra cirurgia na mão lesionada para a recuperação da mobilidade, e que esse tratamento deveria ser realizado no prazo máximo de um ano, sendo que a demora na realização do exame de eletroneuromiografia causou-lhe danos nos nervos, que foram retraídos e por esta razão não teria como reabilitá-los, caracterizando sequela irreversível.

O Município pediu a improcedência dos pedidos iniciais, sob os argumentos de que não ficou demonstrada a culpa e que, além disso, há ausência de nexo causal entre os atos praticados no Posto de Saúde e as alegadas sequelas no membro superior direito. No que diz respeito aos danos morais, alegou não haver comprovação da negligência da funcionária.

O juiz que atua na 4ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos de Campo Grande, Alexandre Tsuyoshi Ito, evidenciou na sentença que, em relação à consulta com o neurocirurgião para a realização do exame de eletroneuromiografia, esta somente foi agendada para o dia 25 de junho de 2009, quando o exame em questão ficou marcado para o dia 30 de junho de 2009.

“Note-se, desde já, que os encaminhamentos para o tratamento fisioterápico e para a consulta com especialista se deram de forma concomitante, entretanto, o requerido disponibilizou o primeiro tratamento (fisioterapia) para o mês de janeiro de 2009, e o segundo procedimento somente para o final de junho daquele ano, o que, por si, já caracteriza a demora na prestação do serviço público de saúde”, ressaltou o magistrado.

Os depoimentos constantes no processo, conforme o juiz, comprovam que a atendente do requerido sabia da dificuldade de marcação do referido exame, e poderia ter resolvido o problema constatado na requisição de outra forma, conforme sugerido pelo médico, evitando-se, assim, o atraso desnecessário em sua realização.

A demora no atendimento acabou por inviabilizar uma das possibilidades de tratamento no braço do requerente - o novo procedimento cirúrgico, conforme a sentença.

Assim, “o longo período de espera para conseguir uma consulta com um médico especialista, o erro no preenchimento da requisição do exame e o despreparo da atendente em solucionar tal problema de forma rápida e eficaz, foram os fatores que culminaram na impossibilidade do tratamento”, e que justificam o Município ser condenado ao pagamento indenizatório dos prejuízos efetivamente sofridos pelo trabalhador.

Processo nº 0056411-07.2010.8.12.0001

Justiça defere penhora online da Rede Bandeirantes para indenizar Xuxa

O juiz da 48ª Vara Cível da Capital, Mauro Nicolau Junior, deferiu a penhora online de R$ 2.402.102,86, da Rede Bandeirantes de TV e Rádio, para garantir a indenização, por danos materiais e morais, à apresentadora Xuxa Meneghel. A condenação se deu a partir da veiculação de fotos da apresentadora nua no programa "Atualíssima", que foram feitas para uma revista masculina há mais de 20 anos.

Na ação, Xuxa argumenta que a divulgação das 70 imagens foi dirigida a todos os públicos sem sua autorização, acrescentando que a iniciativa do programa foi repetida na edição do dia seguinte. Xuxa ressaltou que apenas a revista pode publicar suas fotos, com a restrição de ser em uma única edição, de tiragem limitada, destinada a público maior de 18 anos.

A Bandeirantes recorreu da decisão, mas a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro modificou a sentença apenas no valor da indenização por danos materiais, reduzindo-o para R$ 1 milhão. O restante foi mantido.

Ainda há um recurso contra a penhora (agravo de instrumento), apresentado pela Band, que está pendente de julgamento. Portanto, a eficácia da decisão em primeira instância está mantida.

Processo nº 0070041-09.2008.8.19.0001

Juiz é aposentado por embriaguez

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a aposentadoria compulsória do juiz Joaquim Pereira Lafayette Neto, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), por comportamento incompatível com a magistratura. A decisão foi tomada no Processo de Revisão Disciplinar , julgado durante a 171ª Sessão Ordinária do Conselho.

De acordo com o processo, o magistrado teria se embriagado em uma confraternização de fim de ano e, mesmo nessa situação, foi a um bar de Recife, onde continuou bebendo e se envolveu em confusão com duas mulheres. Na ocasião, o juiz teria sacado a arma e ameaçado pessoas. 

O TJPE abriu processo contra o magistrado e o puniu com pena de censura. Mas Flávio Pinto de Azevedo Almeida, que fora antes condenado pelo juiz, recorreu ao CNJ e pediu o aumento da pena.

O conselheiro Ney Freitas, relator do processo, defendeu a manutenção da punição aplicada pelo tribunal de origem, mas o conselheiro Emmanoel Campelo se opôs e foi acompanhado pela maioria dos conselheiros: “A questão me parece gravíssima”, disse. Campelo argumentou que os magistrados precisam ter conduta irrepreensível, inclusive no comportamento geral em relação às demais pessoas. “Não vejo como não o condenar”, acrescentou.
 
Segundo reforçou Campelo em seu voto, ao agir de forma violenta, ainda que fora do horário de expediente, o magistrado “vulnerabiliza não somente sua função, mas todo o Poder Judiciário”. “Ao aplicar a pena de censura, o Tribunal dissociou-se da evidência dos autos, que denotava a prática de conduta de maior gravidade. Ao exibir um comportamento assim violento, o magistrado demonstra incapacidade para o exercício da judicatura e não apenas conduta censurável”, concluiu o conselheiro.

Processo nº 0001262-92.2012.2.00.0000

Bope é tiro na cabeça e comemoração!

Em um treinamento num parque da zona sul do Rio de Janeiro, captado recentemente pela TV Bandeirantes, os soldados do Bope cantavam alegre e antidarwinianamente o seguinte: "É o bope preparando a incursão. E na incursão não tem negociação. O tiro é na cabeça. E o agressor no chão. E volta pro quartel pra comemoração!"
 
Por mais que o senso comum do rebanho bovino concorde com isso, é estarrecedor! Consoante Nietzsche, a humanidade ainda se encontra no"grande meio-dia", ou seja, saiu do amanhecer (dos primatas), mas ainda está longe do anoitecer (do super-humano). Temos muito ainda que evoluir. E, enquanto não evoluímos, continua o "caos dentro de nós".

Faz parte desse caos o prazer que emana da crueldade, que é incomensurável. Vingança é prazer, é festa (diz Nietzsche). O cérebro humano está preparado para a sobrevivência e procriação. E adora a diversão. Dentro da diversão está o prazer da vingança e da crueldade.

O mesmo prazer experimentado pelo criminoso psicopata com o horror da sua crueldade contra a vítima, esse mesmo prazer o vivencia o vingador (particular ou pago pelo poder público). A vingança é ancestral e pré-histórica. E geradora de mais violência, que muitas vezes se volta contra o próprio policial (no ano de 2012, somente em São Paulo, mais de 100 policiais foram vítimas desse "tiro na cabeça").

Há duas razões, dentre outras, para nos inteirarmos da Ética: 1ª) somos humanos e contamos (dentro de certas circunstâncias) com liberdade para decidir os atos da nossa vida; 2ª) nós, humanos, somos extremamente vulneráveis. Nos rompemos e morremos com uma facilidade incrível. Somos muito vulneráveis a danos físicos, morais e sentimentais. Não podemos fazer o que vem à cabeça com as demais pessoas, ao contrário, temos que ter cuidados com elas. Em outras palavras, somos mortais (Savater).

Só podemos sair do "grande meio-dia" e começar a passar para o anoitecer quando nos convencermos de que a vida humana não é reversível. Não somos imortais, como os deuses da mitologia grega. Nossa vida é irrepetível e extremamente frágil do ponto de vista físico.

Como ensina Savater (Ética de urgência): "Ainda que o acessório mude muito [advento da internet, da telefonia móvel, das telecomunicações etc.], as coisas básicas da vida, os sentimentos elementares, as ambições, os medos, se mantêm inalterados. Quando vemos que mudam muitas coisas acidentais, aprendemos a distinguir as que são essenciais e que permanecem: o respeito, a cortesia, a ideia de que os seres humanos podemos alegrar a vida uns dos outros". São animais pouco domesticados (Nietzsche) os que confundem o acessório da vida com o principal, deixando de ver o outro (qualquer outro) também como ser humano, dotado de liberdade e fragilidade (física, moral, sentimental etc.). Dois mil anos depois estamos esquecendo as lições básicas atribuídas a Cristo.

Autor  
Luiz Flávio Gomes é jurista, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

luizflaviogomes.atualidadesdodireito.com.br

terça-feira, 11 de junho de 2013

Não precisamos de um "direito ao esquecimento"

Há um costume pernicioso na cultura jurídica brasileiro consistente em saudar praticamente qualquer norma jurídica ou decisão judicial que veicule uma suposta novidade ampliativa de direitos. 

E há outro ainda pior, que é generalizar, nos termos de alguma fórmula vazia, essas tais novidades.

A decisão do STJ no REsp 1334097, condenando a Rede Globo a indenizar uma alegada violação ao "direito ao esquecimento", reconhecido "pela primeira vez" (segundo manchete no Conjur...), embarca nessa onda novidadeira e, desnecessariamente, presta um desserviço ao direito brasileiro, colocando-o na contramão da evolução social. Explico.

No contexto de uma sociedade em vertiginosa escalada rumo à obliteração dos limites entre o público e o privado, entre a intimidade e o compartilhamento multitudinário do cotidiano, creio que há um erro fundamental na caracterização do "esquecimento" como um direito. 

Primeiramente, esquecimento é um fenômeno que ocorre naturalmente na sociedade, não pode ser imposto ou forçado, é uma decorrência natural do maior ou menor interesse de uma sociedade livre em determinado assunto. Não se deve confundir com intimidade ou privacidade.

Por outro lado, não precisamos de um "direito ao esquecimento" como garantia da nossa personalidade. Já temos uma forma mais eficiente e flexível, além de menos pretensiosa, de lidar com o problema dos possíveis danos causados aos direitos da personalidade da pessoa exposta em determinadas situações: é a proibição do abusodo direito à liberdade de expressão.

CC/2002 trouxe expressamente a figura do abuso de direito como configurador da ilicitude civil. Trata-se do antes festejadíssimo (enquanto era novidade)  CC-187, que, em elegante redação, afirma que  "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Eficiente, porque, ao contrário da fórmula fechada, possui a amplitude necessária para a proteção de situações não pensadas pelo legislador, permanecendo flexível o suficiente para permitir a apreciação de cada caso concreto em suas peculiaridades.

Deve-se evitar a afirmação de que qualquer um, em qualquer situação de exposição pública, possui um direito subjetivo a ser invisível, pois isso simplesmente não é verdade no ordenamento jurídico brasileiro. Aqui, impera a liberdade de informação e de imprensa, a liberdade de expressão e o princípio da responsabilidade individual de cada um pelos seus atos. Não há fundamento jurídico nem justificativa comunitária para a adoção desta fórmula "direito ao esquecimento", ainda que haja casos em que o exercício da liberdade de expressão, especialmente por meio da imprensa, configura-se abusivo e ofensivo à personalidade individual ou coletiva.

Não se deve esquecer, também, que não há como controlar ou impor a uma sociedade que "esqueça" determinadas pessoas ou assuntos sem perdas incomensuráveis em termos de liberdade de expressão, ainda mais em se tratando da difusão informativa encontrada na internet, diametralmente oposta à concentração da televisão. Esta ponderação de valores parece, ela sim, esquecida no calor da notícia.

Em conclusão, esse "direito ao esquecimento" soa mais como uma criação ilegítima de uma doutrina e de uma imprensa jurídica ávidas por um qualquer pedaço de pseudoconhecimento com que alimentar a atenção de consumidores interessados em informação simples, facilmente digerível em conceitos curtos e palavras-chave, do que como um verdadeiro direito necessário à proteção da personalidade e dignidade humanas.

Breno Rego Pinto Rodrigues da Costa

Juiz em Minas Gerais, Professor, Mestre em Direito pela FDUC   •   Salvador (BA)  

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*Alguma doutrina crítica pode ser encontrada em outros contextos culturais, e deixo aqui a indicação do texto de Jeffrey Rosen, "The Right to be Forgotten", para quem "apesar de retratado como uma modesta expansão de direitos à privacidade de dados já existentes, o novo direito [ao esquecimento], de fato, representa a maior ameaça à liberdade de expressão (free speech) na internet para a próxima década". 

domingo, 9 de junho de 2013

ARTIGO: De como fabricamos psicanaliticamente os menores delinquentes

Juan Pablo Mollo (psicanalista e autor do livro "Psicoanalisis y Criminología"), tradução de Débora de Almeida e notas entre colchetes de Luiz Flávio Gomes
Em razão da ímpar oportunidade (tendo em vista que o legislador brasileiro está discutindo a questão da maioridade penal), vale a pena conhecer um trecho do livro O delinquente que não existe, de Juan Pablo Mollo, que estamos traduzindo (e que queremos publicar ainda este ano no Brasil). Segue o texto do autor citado:
O desamparo se transforma em crime por meio do sistema penal.
Quando as crianças fogem de seu lar e ficam nas ruas, começam um caminho difícil, sem rumo fixo, em situação de desproteção, suportando grandes privações. Como forma de defesa e subsistência, os meninos de rua organizam-se precariamente entre si, e tentam dispor de um mínimo apoio afetivo mediante a identificação comum que oferece o grupo. É evidente que os meninos de rua são altamente vulneráveis e, por isto, são uma "oportunidade" e um negócio para organizações criminais que lucram com a prostituição infantil, o tráfico de órgãos ou a exploração sexual e de trabalho dos menores etc.
Sem uma pessoa adulta ou um "pai" que responda por eles, o grupo infantil perambula à deriva e tenta subsistir por meios lícitos e ilícitos, segundo o que encontrarem à disposição dia após dia. A mesma vulnerabilidade dos meninos torna explicável o roubo simples de carteiras, bicicletas ou celulares, que despois vendem para obter um dinheiro mínimo, gratificante em curto prazo. Com o tempo, se não são detidos e enviados a um reformatório, a associação de meninos de rua pode ser dirigida por organizações criminais dedicadas ao tráfico de drogas e outras mercadorias, ou realizar tarefas ilegais para a polícia.
Esta breve descrição do caminho infantil à deriva é uma representação do fenômeno a partir do ponto de vista econômico-social; no entanto, existe outra lógica subjacente aos atos delitivos das crianças e adolescentes, que alcança uma dimensão afetiva: a fuga infantil intempestiva para a rua está relacionada com "ter sido deixado fora" (abandonado) por sua família de origem. Daí sua persistência em não voltar ao lar, ainda que em situações de desamparo extremo. A fuga da criança para a rua implica que "algo" insuportável lhe acontece em sua casa, e, por isto, o escape toma uma forma de precipitação, urgência subjetiva e sem referências, em direção à hostilidade de um mundo sem regras.
Verifica-se na clínica psicanalítica que a fuga infantil é uma resposta subjetiva da criança ante uma diversidade de circunstâncias tais como a marca da rejeição, não se sentir querido, ser ferido ou explorado afetivamente, não resistir à violência ou aos conflitos familiares já intoleráveis, a morte de algum de seus pais, tios, irmãos, avós ou maior responsável etc. Assim, uma fuga desesperada, que mais é uma queda ou uma derrubada simbólica, joga-o a uma situação de desamparo e angústia pela perda de um apoio afetivo.
O desamparo real nasce com a perda de um lugar no desejo do Outro, que não é um conceito abstrato, senão a certeza de "ser" algo para alguém concreto, neste caso um familiar ou um responsável pela criança. Em outras palavras, ter um lugar no desejo do Outro, encarnado em alguma das figuras familiares, supõe que a criança ou o adolescente é alojado, levado em consideração e sustentado, para além das palavras e das razões. Inversamente, sendo a rua o lugar dos que não têm lugar, a fuga infantil mostra bem a queda do desejo do Outro [daí a sensação de isolamento, de não pertencência].
Por definição, ser deixado cair fora (ser abandonado) do desejo do Outro produz angústia, perda de recursos simbólicos e ações intempestivas. Logo, o salto ao vazio da rua devido à perda de um lugar não conceitual, mas real, lhe acrescenta outro desamparo mais tangível no plano social. Com efeito, a angústia pela perda de "alguém" que respondia por ele, visivelmente o deixa sem referências simbólicas e literalmente à deriva, fora das obrigações de horários e demais convenções sociais.
Da angústia ao sistema penal
Entretanto, não se trata da influência do ambiente físico ou social da família do menino, senão da ruptura de um "ambiente afetivo", como causa do perambular da criança ou do jovem. Aqui, o desamparo não é social e não se trata da exclusão econômica e geográfica do marginal, mas da rejeição original e a queda subjetiva que sofre uma criança ou um jovem, para além de sua classe social.
O abandono produz angústia e esta se transforma em ações intempestivas e inadequadas em relação às convenções sociais. Na verdade, a transformação da angústia em atos, já supõe estar fora da proteção das normas simbólicas; e por isto, tais atos inadequados constituem um chamado ao lugar perdido no desejo do Outro. As condutas antissociais de um menino de rua se dirigem a um Outro para que este responda por ele. Ou ainda, o comportamento antissocial constitui uma "chamada de atenção" porque, justamente, se perdeu a atenção de um Outro familiar.
A partir desta perspectiva, as ações delitivas e associais do jovem delinquente constituem um modo de "golpear" as instituições sociais, suas normas e sua moral, com a finalidade consciente ou não, de ser incluído na legalidade perdida. Portanto, resulta primordial ingressar numa realidade "afetiva", pacificadora da angústia, como condição de uma possível adaptação à legalidade social. Em outras palavras, o abandono inicial deixa o jovem como um objeto fora da lei, e por isto, seus atos delitivos esperam uma resposta do Outro para constituir-se como sujeito de uma lei. Quando não há resposta, a situação se agrava e se intensificam as atuações, incluindo-se o risco da própria vida.
Não obstante, verifica-se na clínica psicanalítica que a certeza de ter "um lugar no desejo do Outro", nestes casos, produz uma inclusão afetiva e social, cujo efeito é a recuperação da referência à norma. Por isso, tais atuações, que constituem uma série repetitiva de acting out, não configuram uma patologia, mas uma "zona de relação" vinculada ao desejo do Outro (Lacan). A angústia transformada em acting out, constitui uma etiologia delitiva sutil, cuja fenomenologia é ir à deriva, sem recursos simbólicos, porém em direção a entrar no cenário do mundo regrado e convencional.
Precisamente, no início de 1900, averiguando o campo teórico clínico da criança e do adolescente, os primeiros psicanalistas já se opunham às teorias etiológicas constitucionalistas que influenciavam a criminologia da época, e rechaçavam a homologia do delinquente com as categorias psiquiátricas de psicopatas, inferiores ou perversos. Para os psicanalistas pioneiros na matéria, um ato delitivo ou uma conduta antissocial não constituía um diagnóstico, não valia por si mesma (Eissler), mas se distinguia da mera impulsividade (Blos) e respondia ao abandono (Aicchorn).
Também, teorizavam que os conflitos que operavam na origem da tendência antissocial sobrevinham das separações prematuras e prolongadas (Bowlby), ou da carência da criança em relação a sua mãe (Winnicott). Em suma, as investigações psicanalíticas em torno da delinquência, as quais se desenvolveram no desamparo social das guerras mundiais, mantêm, hoje, toda sua vigência ante a situação de milhões de crianças e jovens que são forçados a sobreviver na rua. Os filhos da marginalização social da América Latina são os mesmos órfãos do pós-guerra europeu: jovens deixados cair fora (abandonados), que depois desencadeiam séries intermináveis de delitos e distúrbios, mostrando o objeto de descarte que são para o Outro.
Assim, a delinquência juvenil é a materialização da angústia. As ações da criança ou jovem de rua, logicamente, terão que resultar inadequadas ou delitivas, pois sua direção inconsciente é convocar ao Outro. E precisamente, verifica-se clinicamente que os atos delitivos cedem quando a criança ou adolescente angustiado é alojado genuinamente no desejo do Outro. A delinquência juvenil é transitória e depende de uma resposta do Outro. Por exemplo, o caso de um jovem irmão que está na rua, não vai à escola, rouba, usa droga etc., e quando um tio distante, de maneira autêntica, o convidou a trabalhar numa quitanda e se encarregou dele, de pronto, o jovem respondeu plenamente, mudando rapidamente seu modo de vida anterior. O jovem retomou o colégio e deixou de roubar e se drogar, isto é, recuperou a legalidade a partir de ter a certeza de "ser" alguém para Outro.
Mesmo expressado com extrema simplicidade, o exemplo deixa vislumbrar uma "cura" para o delinquente juvenil. Com efeito, se vindo do desamparo e do abandono primário, as transgressões à lei são tentativas angustiosas de buscar um Outro para ter onde se alojar, para além de todas as razões; então, se se oferece uma resposta adequada, uma terapêutica é possível para o ordenamento do delinquente juvenil. Sempre será uma resposta que permita a inclusão, ainda que não possa ser padronizada nem institucionalizada, pois necessita do desejo do Outro em singular; ou seja, requer do desejo singular de encarregar-se ou não, de quem, neste caso está à deriva.
Alojar alguém no desejo do Outro não é uma operação conceitual, mas um efeito enigmático que compromete profundamente duas pessoas em nível de seus desejos. Tampouco é o significado de uma frase ou o valor das palavras, senão um efeito análogo ao súbito enamoramento. Por isso, em sentido estrito, a resposta "terapêutica" não é calculável, senão que está definida pelos efeitos concretos e reais de um "encontro" afetivo, que diminuiu a urgência e a patologia da conduta.
Outras vezes, a marca do abandono original retorna e o jovem volta à rua e para uma tendência antissocial cada vez mais marcada. A situação de angústia se agrava com o passar do tempo e, às vezes, ao desamparado de anos, só lhe resta um lugar miserável no cárcere ou no hospital psiquiátrico, ou então suicidar-se. Tais são os extremos a que chegam as séries repetitivas de acting out, quando não há alguém que responda ao chamado.
Indubitavelmente, nem todos os delinquentes são desamparados que atuam sem referências simbólicas. No entanto, a grande maioria dos delinquentes incluídos na subcultura criminal antes foi um jovem à deriva. Portanto, existe uma passagem do desamparo e angústia para a fixação da identidade delitiva ou criminosa. Desta forma, se a angústia se oculta atrás dos atos delitivos e sua dosificação pode produzir repentinamente uma mudança de posicionamento em relação às normas, então, a subcultura delitiva também é uma solução para a angústia.
A passagem do desamparo ao clube criminoso constitui uma via de socialização com um aprendizado técnico e discursivocuja "graduação" realiza-se no cárcere, que define hierarquias. A tendência antissocial do jovem origina-se numa exclusão causal de sua família, por ter sido deixado cair fora do desejo do Outro (abandonado pelo Outro). E a subcultura subterrânea, própria da prisão, lhe oferece uma bússola para sua deriva angustiosa.
Na subcultura criminosa são os ideais delitivos os que ordenam as ações delitivas que, neste caso, não chamam ao Outro, nem se produzem por uma transformação da angústia. O ideal delitivo é o rumo e a referência simbólica necessária para "ser" um delinquente e superar a angústia e a culpabilidade.
Em outras palavras, o jovem que age a partir da angústia não pode se situar a partir de um ideal de referência; e inversamente, ao oferecer uma identidade, um horizonte e uma tradição, os códigos delitivos são formas simbólicas de ordenamento da delinquência. E a afiliação à subcultura e o início em uma carreira delitiva ou criminosa frequentemente se faz de duas formasque conduzem à mesma fixação de uma identidade: o sistema penal e a criminalidade organizada. O cárcere e a máfia criminosa são dois dispositivos de transformação do abandono em identidade delitiva, que oferecem um "ser" no mundo, ali onde se "era" um resto abandonado para o desejo do Outro.
Apesar de suas funções aparentes, o sistema penal é um eficaz aparato de reprodução da tradição criminosa. Logicamente, o acting out delitivo cessa quando o sujeito volta às normas e às identificações, para além de seu significado moral.
Não obstante, a afiliação ao ideal delitivo não é repentina, mas sim um processo subjetivo ordenado por um grupo a que pertence. A identificação vai se assumindo paulatinamente até que se impõe, com valor de "ser" reconhecido pela comunidade delitiva ou criminosa. A busca de prestígio e a paixão pelo reconhecimento constituem uma referência ao Outro da subcultura criminosa; e, neste caso, o jovem à deriva deixa de agir por angústia e começa a atuar numa carreira criminosa que lhe traça um destino. Assim, o sistema penal soluciona a angústia do jovem abandonado, oferecendo-lhe a cultura da ilegalidade e do crime [é desta forma que nossa sociedade psicanaliticamente falando fabrica os menores delinquentes; Nietzsche quando fala da mais perigosa desaprendizagem sublinha: "Começa-se por desaprender a amar os outros e termina-se por não encontrar nada mais digno de amor em si mesmo" (Aurora)].

COLISÃO TRASEIRA DE AUTOMÓVEL

Complementado as peculiaridades existentes no tema responsabilidade civil, vele estudar ainda a culpa presumida e a inversão do ônus da prova nos casos de colisão traseira de veículos.

A jurisprudência é pacífica ao presumir a culpa do motorista que colide o seu veículo com a parte traseira do outro, uma vez que este deixa de guardar regularmente distância de segurança, que o impeça de colidir com o carro da frente, em uma situação de emergência.

Denota-se que o único efeito que se atrai com a presunção da culpa é a inversão do ônus da prova. Vale dizer, aquele que foi abalroado na traseira não precisará demonstrar que a culpa foi do sujeito que vinha atrás de seu veículo, mas sim o contrário. Caberá ao sujeito que abalroou a traseira provar que não teve culpa, demonstrando que ato ou omissão daquele que vinha a sua frente foi determinante para a ocorrência da colisão.

Podemos verificar assim que a presunção de culpa, nos casos de colisão traseira, é relativa (júris tantum), podendo esta ser afastada mediante prova em contrário.

Vemos isso no julgado seguinte:

ACIDENTE DE VEÍCULOS COLISÃO TRASEIRA PRESUNÇÃO DE CULPA DO CONDUTOR DO VEÍCULO QUE COLIDE POR TRÁS FALTA DO DEVER DE GUARDAR DISTÂNCIA REGULAMENTAR PRESUNÇÃO "JURIS TANTUM" INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ALEGAÇÃO DE MUDANÇA REPENTINA DE FAIXA NÃO COMPROVAÇÃO PREVALÊNCIA DA PRESUNÇÃO DE CULPA SENTENÇA REFORMADA. - Recurso provido.

(TJ-SP - APL: 9146584682009826 SP 9146584-68.2009.8.26.0000, Relator: Edgard Rosa, Data de Julgamento: 27/06/2012, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/06/2012)


Portanto, no caso de colisão traseira de acidente automobilístico, ocorrerá uma inversão do ônus da prova, pois caberá ao réu provar que não teve culpa, uma vez que sua culpabilidade é júris tantum.

O NAUFRÁGIO DE MUITOS INTERNAUTAS

       
         Há mais de um século o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras e assustadoras obras, Vinte mil léguas submarinas. Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina constante do currículo escolar em muitos países, seja por interesses específicos. Por isso, não ficou estranho que o romancista tenha chamado de Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr das últimas décadas, porém, o latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos seus conhecedores e, por conseqüência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o português) desfez-se parte da aura misteriosa.
    
         Restou, no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se extraviarem nas novas incógnitas abissais, embarcando, agora, não mais no Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por Ninguém.

          Ora, cada dia fala-se, mais e mais, sobre a triunfal entrada da humanidade na Era do Conhecimento; exalta-se a capacidade humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a principal delas seria a internet.

         Devagar com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A internet, dentre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto, transformar informação em conhecimento exige, antes de tudo, critério de escolha e selação, dado que o conhecimento (ao contrário da informação não é cumulativo, mas seletivo.

         É como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito bem o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é, saber o que se procura,
para poder escolher, em função da finalidade que se tenha.

         Os computadores e a internet têm um caráter ferramental que não pode ser esquecido; ferramenta não é o objetivo em si mesmo, é instrumento para outra coisa. Por isso, há um ditado atribuído aos chineses no qual se diz: “Quando se aponta a lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do seu dedo”.

         O instigante Lewis Carol, na sua imortal Alice no país das maravilhas, a ser lida e relida, tem dois personagens bem expressivos para entendermos os tempos atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando para o relógio e sempre reclamando: “estou atrasado, estou atrasado”; e um insondável gato que, no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando só a cauda, às vezes só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente)na qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: Para onde vai esta estrada? O gato replica: Para onde você quer ir? Ela diz: Não sei; estou perdida. O gato não titubeia: Para quem não sabe para onde vai, qualquer cominho serve...



     Sem critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na internet, naufraga...

Mario Sergio Cortella

sábado, 8 de junho de 2013

RECÉM FORMADOS E A ESPERANÇA

Normalmente, no término da faculdade é comum o sentimento de insegurança, advinda da falta de experiência e de preparo para o mercado de trabalho. Essa nuance colabora para que os neófitos profissionais sintam-se como se estivessem num Universo escuro.

As Universidades hoje em dia, convenham, também não preparam 100% para o mercado de trabalho, colaborando, por conseguinte, ainda mais com a falta de oportunidade e muitas vezes de esperança dos jovens profissionais.

Guardadas as devidas proporções, pode-se fazer um paralelo dessa situação com as dificuldades igualmente encontradas por Einstein no início de sua jornada científica. Sua história, ao menos, serve para qualquer estudante não desanimar logo no início de sua jornada profissional.

Einstein depois de recém formado (1900) não conseguiu emprego; naquela época era comum gênio da estirpe de Albert Einstein querer galgar um espaço na carreira docente universitária, porém, o início de sua carreira começou com frustradas tentativas de ser professor titular universitário.

Sem oportunidade, só lhe restou trabalhar como assistente (1902) em um escritório de patentes, não era uma profissão desejada para quem queria ser um grande cientista, não era também o desiderato de sua família que apostava em um futuro promissor. O Pai de Einstein faleceu decepcionado com o caminho até então trilhado pelo filho.

Mas Einstein não parou nenhum minuto se quer de fazer ciência, trabalhava seis dias por semana no escritório de patentes e encontrava tempo ainda para realizar seus estudos científicos. Einstein queria descobrir uma lei da natureza; com enorme habilidade realizava suas experiências através da imaginação, suas descobertas eram baseadas em indagações do tipo “o que aconteceria se conseguisse viajar na velocidade de um raio de luz”[1].

Dessa forma, em 1905, Albert Einstein lançou um artigo com suas idéias da teoria da relatividade; era o começo de toda uma história de descoberta científica. Max Planck, o reverenciado rei da física teórica européia, leu seu artigo e o compreendeu, passando a considerar sua pesquisa; a partir daí Einstein começou aparecer nos artigos e revistas científicas.

A paixão de Einstein era tão grande pela ciência que não parou de buscar seus objetivos mesmo quando tudo parecia conspirar contra, ele continuou a fazer os seus trabalhos, lutando para o reconhecimento de sua teoria. A persistência de Einstein é um exemplo de vida, o seu reconhecimento veio tempos depois.

Da mesma forma, para quem é jovem recém formado, é natural que as coisas no início pareçam mais difíceis do que realmente são, no entanto, não se pode parar de buscar continuamente a realização dos seus sonhos, não se deve desestimular, pois tudo que aprendemos na faculdade está em nós.

Não tenha dúvida que serás um grande profissional na sua área.

Athos Oliveira Soares






[1] Postulado de Einstein: experiência mental da perseguição do raio de luz.

DANO MORAL NÃO É APENAS DOR E SOFRIMENTO

                        Muito se fala em uma “industria de danos morais” no Poder Judiciário, permitindo aventuras jurídicas em busca de indenizações a todo custo, muitas vezes, indevidas e fundamentada na dor e sofrimento da vítima.
                        É inegável que o abalo psicológico esteja presente na maioria dos casos, sendo inevitáveis sentimentos de dor, angústia, amargura, vergonha e humilhação, entretanto, não há necessidade dessas alterações anímicas para configuração do dano moral.
                        Ou seja, mudanças na alma do lesado não constitui o próprio dano, mas sim efeitos ou resultados deste.   
                        E quais são os requisitos para configurar o dano moral? Necessariamente haverá de existir um ato lesivo causador do dano. O bem atingido poderá ser patrimonial ou não, contudo, apenas o dano não patrimonial (ou extrapatrimomial) nos interessa.
                        A existência de dano moral, portanto, decorrerá de ato lesivo violador da categoria de direitos da personalidade, ou seja, atingem direitos alusivos aos aspectos da personalidade humana: intimidade, vida privada, honra, imagem, integridade física e moral, liberdade de pensamento e de crença religiosa etc.
                        É a violação desses direitos que dar margem a indenizações por danos morais, até porque, se assim não fosse considerado, não haveria de se indenizar uma criança recém nascida que teve seu braço amputado por erro médico[1], só por que não possui capacidade intelectiva para avaliar o dano e sofrer os prejuízos psíquicos decorrentes.
                        Da mesma forma, a jurisprudência pátria não permitiria indenização a pessoa jurídica, pelo fato dela não poder sentir dor e muito menos sofrimento.
                        Nesse norte, cumpre ressaltar que “o mero dissabor, aborrecimento, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia ...” são situações sem qualquer repercussão no mundo exterior, não revelando, pois, qualquer abalo moral ou sofrimento íntimo.
                        Caso fosse o dano moral resumido a dor e sofrimento muita confusão poderia ser gerada na sua comprovação em juízo. Isso porque, cada pessoa absorve a realidade de forma diversa, pois, o que pode gerar sofrimento intimo para um indivíduo, pode não ter as mesmas conseqüências para outro;
                        Dessa maneira, haveria o impasse na concretização do dano, juntamente com sua fixação e a subjetividade da análise do dano sofrido.
                        E, tanto não é apenas alteração do estado anímico ou psicológico que a própria jurisprudência afasta esses requisitos quando admite a possibilidade de reparação do dano meramente presumido. É o caso da inserção do nome no cadastro de inadimplentes (Ag. 1.379.761), atraso de vôo (Resp 299.532), Diploma sem reconhecimento (Resp 631.204), equívoco administrativo (Resp. 608.918).           
                        O prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios atos). No entanto, a jurisprudência não tem considerado mais esse critério como absoluto, passando a exigir demonstração cabal da ocorrência do prejuízo moral.
                        Desta feita, seguindo a linha de raciocínio, a prova do dano moral se resolve, de forma objetiva, com a comprovação de fato violador de algum dos direitos da personalidade. Não havendo o que falar de maiores comprovações nos casos em que dano e dor se confundem, como é o caso da perda de um filho. O fato da morte já viola os direitos de personalidade, prescindindo da demonstração de sofrimento e amargura.
                        Contudo, além da dor e sofrimento é imprescindível a comprovação do prejuízo moral, sempre tendo o cuidado para não confundir com meros dissabores cotidianos. Caso contrário, aumentaria os conflitos da sociedade vez que, tão somente, a configuração de estado anímico ou psicológico fossem suficiente para se pleitear indenizações por danos morais.
                        Por fim, afastada a necessidade de dor, sofrimento espiritual ou qualquer espécie de detrimento anímico para a configuração do dano moral, abre-se espaço para reconhecimento do direito de indenização a pessoas incapazes de consciência e discernimento, como é o caso do nascituro, do recém nascido e a pessoa jurídica. 

Athos Oliveira Soares



[1] STJ - REsp: 910794 RJ 2006/0273335-8, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, Data de Julgamento: 21/10/2008, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/12/2008.