sábado, 13 de julho de 2013

Mudanças para valer - JOSÉ DIRCEU

POLÍTICA


A temperatura elevada da recente onda de manifestações fez com que muitas propostas que estavam nos escaninhos do Congresso fossem desengavetadas para atender as mais variadas demandas da população.
São medidas aparentemente moralizantes, como tornar a corrupção crime hediondo e acabar com o a prerrogativa de foro para congressistas. Se essas ações, no entanto, não tiverem seu escopo ampliado, terão efeito inócuo e meramente populista.
É claro que uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que acaba com a prerrogativa de foro para deputados e senadores vai ser celebrada como uma resposta aos gritos contra a corrupção ouvidos nas ruas. Afinal, uma parte dos manifestantes era claramente refratária aos partidos e aos políticos, e dirigia seu ressentimento contra toda a classe política, sem distinções.
Mas, pensando além dos slogans de protesto, faz mesmo sentido criminalizar a atividade política e atribuir apenas a essa classe a responsabilidade por toda a corrupção que existe no país?
É preciso cuidado e memória para lembrar que o desprestígio da política já nos levou à ditadura. E associar exclusivamente os políticos à corrupção é desconsiderar a existência de corruptos e corruptores que agem em todos os cantos do país e em todas as esferas de poder.
Além disso, a prerrogativa de foro beneficia não só senadores, deputados e o Executivo -- Presidente da República, ministros, governadores e prefeitos -- mas também membros de diversos órgãos do poder Judiciário, como o Supremo Tribunal Federal, Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal Superior Eleitoral, Procuradoria-Geral da República, integrantes do Ministério Público da União e membros dos Conselhos e Tribunais de Contas da União, dos Estados e municípios.
Por que, então, não ampliar a abrangência da PEC que acaba com o foro para autoridades? Por que não estendê-lo também a procuradores e aos membros do Judiciário?Por que eles precisam ser julgados apenas por instâncias especiais da Justiça? Afinal, são essas autoridades isentas da possibilidade de corromper e serem corrompidas?
Há especialistas que apontam vantagens na manutenção da prerrogativa de foro, considerando-a um avanço democrático e uma forma de proteger a atuação dos congressistas de pressões, além de servir como meio de conferir estabilidade política nos casos de chefes de Executivo. De fato, é uma questão controversa, que está sendo debatida em meio à pressão dos protestos.
Nesse contexto, há a preocupação de que medidas como essa não se limitem a encontrar bodes expiatórios, mas que criem um ambiente propício ao fortalecimento das instituições. Esse deve ser o norte das transformações que buscamos no país.
Também na esteira das manifestações, o Senado já aprovou um projeto de lei que institui multas pesadas a empresas envolvidas em casos de corrupção. É o chamado PL Anticorrupção, apresentado pelo ex-presidente Lula, que aumenta a responsabilidade de pessoas jurídicas e pode ajudar a inibir os casos de fraudes em órgãos públicos, que nunca são fruto da ação apenas de agentes do Estado.
E, em um intervalo de menos de 24 horas, o Senado, que havia rejeitado a PEC que reduz de dois para um o número de suplentes de senadores e os proíbe de escolher como substitutos o cônjuge ou parentes até segundo grau -- uma importante medida contra o nepotismo --, voltou atrás e aprovou proposta idêntica nestes dois aspectos.
Não há dúvidas de que, pressionados pela opinião pública e pelas repercussões negativas da decisão anterior, os senadores recuaram e optaram por uma medida que significa um avanço necessário ao combate à corrupção, já que a suplência é muitas vezes utilizada para conquista de financiadores em troca da indicação para substituir os senadores eleitos.
Outro tema que avançou no Congresso após a onda de protestos foi a transformação de corrupção em crime hediondo. Mas alguns juristas e especialistas no assunto consideram a medida de baixo efeito no combate à corrupção, já que este deve ser baseado na mudança de práticas e em mecanismos de controle mais eficazes.
Já sobre o caráter de hediondo conferido aos crimes de corrupção pode-se esperar por uma possível contestação de constitucionalidade, já que a lei não pode ser desproporcional, considerando hediondo, por exemplo, também o crime cometido por um guarda de trânsito que recebeu propina para liberar um motorista de uma multa.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) considera inconstitucional o ponto da lei que determina que os condenados devem iniciar o cumprimento das penas em regime fechado.
A reforma política, indefinidamente adiada pelo Legislativo, que acaba de se recusar a fazê-la a partir de um plebiscito que ouça a população, seria um mecanismo valioso para o combate à corrupção, especialmente se contemplasse o financiamento público de campanhas eleitorais, restringindo a influência do poder econômico sobre os políticos e seus mandatos.
As ruas pedem mudanças, mas não podemos correr o risco de promovê-las sem a devida reflexão, o necessário debate e a fundamental participação popular.
É preciso discernimento para garantir que as inovações representem avanços e fortaleçam o Estado de Direito e a democracia, sem falso moralismo, sem perseguições e sem mistificações. Para isso, só há um caminho: realizar a reforma política com consulta popular via plebiscito.

José Dirceu, 67, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT.

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