terça-feira, 11 de junho de 2013

Não precisamos de um "direito ao esquecimento"

Há um costume pernicioso na cultura jurídica brasileiro consistente em saudar praticamente qualquer norma jurídica ou decisão judicial que veicule uma suposta novidade ampliativa de direitos. 

E há outro ainda pior, que é generalizar, nos termos de alguma fórmula vazia, essas tais novidades.

A decisão do STJ no REsp 1334097, condenando a Rede Globo a indenizar uma alegada violação ao "direito ao esquecimento", reconhecido "pela primeira vez" (segundo manchete no Conjur...), embarca nessa onda novidadeira e, desnecessariamente, presta um desserviço ao direito brasileiro, colocando-o na contramão da evolução social. Explico.

No contexto de uma sociedade em vertiginosa escalada rumo à obliteração dos limites entre o público e o privado, entre a intimidade e o compartilhamento multitudinário do cotidiano, creio que há um erro fundamental na caracterização do "esquecimento" como um direito. 

Primeiramente, esquecimento é um fenômeno que ocorre naturalmente na sociedade, não pode ser imposto ou forçado, é uma decorrência natural do maior ou menor interesse de uma sociedade livre em determinado assunto. Não se deve confundir com intimidade ou privacidade.

Por outro lado, não precisamos de um "direito ao esquecimento" como garantia da nossa personalidade. Já temos uma forma mais eficiente e flexível, além de menos pretensiosa, de lidar com o problema dos possíveis danos causados aos direitos da personalidade da pessoa exposta em determinadas situações: é a proibição do abusodo direito à liberdade de expressão.

CC/2002 trouxe expressamente a figura do abuso de direito como configurador da ilicitude civil. Trata-se do antes festejadíssimo (enquanto era novidade)  CC-187, que, em elegante redação, afirma que  "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

Eficiente, porque, ao contrário da fórmula fechada, possui a amplitude necessária para a proteção de situações não pensadas pelo legislador, permanecendo flexível o suficiente para permitir a apreciação de cada caso concreto em suas peculiaridades.

Deve-se evitar a afirmação de que qualquer um, em qualquer situação de exposição pública, possui um direito subjetivo a ser invisível, pois isso simplesmente não é verdade no ordenamento jurídico brasileiro. Aqui, impera a liberdade de informação e de imprensa, a liberdade de expressão e o princípio da responsabilidade individual de cada um pelos seus atos. Não há fundamento jurídico nem justificativa comunitária para a adoção desta fórmula "direito ao esquecimento", ainda que haja casos em que o exercício da liberdade de expressão, especialmente por meio da imprensa, configura-se abusivo e ofensivo à personalidade individual ou coletiva.

Não se deve esquecer, também, que não há como controlar ou impor a uma sociedade que "esqueça" determinadas pessoas ou assuntos sem perdas incomensuráveis em termos de liberdade de expressão, ainda mais em se tratando da difusão informativa encontrada na internet, diametralmente oposta à concentração da televisão. Esta ponderação de valores parece, ela sim, esquecida no calor da notícia.

Em conclusão, esse "direito ao esquecimento" soa mais como uma criação ilegítima de uma doutrina e de uma imprensa jurídica ávidas por um qualquer pedaço de pseudoconhecimento com que alimentar a atenção de consumidores interessados em informação simples, facilmente digerível em conceitos curtos e palavras-chave, do que como um verdadeiro direito necessário à proteção da personalidade e dignidade humanas.

Breno Rego Pinto Rodrigues da Costa

Juiz em Minas Gerais, Professor, Mestre em Direito pela FDUC   •   Salvador (BA)  

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*Alguma doutrina crítica pode ser encontrada em outros contextos culturais, e deixo aqui a indicação do texto de Jeffrey Rosen, "The Right to be Forgotten", para quem "apesar de retratado como uma modesta expansão de direitos à privacidade de dados já existentes, o novo direito [ao esquecimento], de fato, representa a maior ameaça à liberdade de expressão (free speech) na internet para a próxima década". 

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