Há
mais de um século o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras
e assustadoras obras, Vinte mil léguas
submarinas. Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que
tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina
constante do currículo escolar em muitos países, seja por interesses
específicos. Por isso, não ficou estranho que o romancista tenha chamado de
Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr das últimas décadas, porém, o
latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos
seus conhecedores e, por conseqüência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o
português) desfez-se parte da aura misteriosa.
Restou,
no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção
científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se
extraviarem nas novas incógnitas abissais, embarcando, agora, não mais no
Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por
Ninguém.
Ora, cada dia fala-se, mais e mais, sobre a
triunfal entrada da humanidade na Era do Conhecimento; exalta-se a capacidade
humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o
conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a
principal delas seria a internet.
Devagar
com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A internet, dentre
as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para
acesso à informação; no entanto, transformar informação em conhecimento exige,
antes de tudo, critério de escolha e selação, dado que o conhecimento (ao
contrário da informação não é cumulativo, mas seletivo.
É
como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito
bem o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e
com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e
imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é,
saber o que se procura,
para poder escolher, em função da
finalidade que se tenha.
Os
computadores e a internet têm um caráter ferramental que não pode ser
esquecido; ferramenta não é o objetivo em si mesmo, é instrumento para outra
coisa. Por isso, há um ditado atribuído aos chineses no qual se diz: “Quando se
aponta a lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do seu dedo”.
O
instigante Lewis Carol, na sua imortal Alice no país das maravilhas, a ser lida
e relida, tem dois personagens bem expressivos para entendermos os tempos
atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando para o relógio e
sempre reclamando: “estou atrasado, estou atrasado”; e um insondável gato que,
no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando
só a cauda, às vezes só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente)na
qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: Para onde vai esta
estrada? O gato replica: Para onde você quer ir? Ela diz: Não sei; estou
perdida. O gato não titubeia: Para quem não sabe para onde vai, qualquer
cominho serve...
Sem
critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo,
acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas
pessoas, em vez de navegar na internet, naufraga...
Mario Sergio Cortella
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