domingo, 9 de junho de 2013

O NAUFRÁGIO DE MUITOS INTERNAUTAS

       
         Há mais de um século o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras e assustadoras obras, Vinte mil léguas submarinas. Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina constante do currículo escolar em muitos países, seja por interesses específicos. Por isso, não ficou estranho que o romancista tenha chamado de Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr das últimas décadas, porém, o latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos seus conhecedores e, por conseqüência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o português) desfez-se parte da aura misteriosa.
    
         Restou, no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se extraviarem nas novas incógnitas abissais, embarcando, agora, não mais no Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por Ninguém.

          Ora, cada dia fala-se, mais e mais, sobre a triunfal entrada da humanidade na Era do Conhecimento; exalta-se a capacidade humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a principal delas seria a internet.

         Devagar com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A internet, dentre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto, transformar informação em conhecimento exige, antes de tudo, critério de escolha e selação, dado que o conhecimento (ao contrário da informação não é cumulativo, mas seletivo.

         É como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito bem o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é, saber o que se procura,
para poder escolher, em função da finalidade que se tenha.

         Os computadores e a internet têm um caráter ferramental que não pode ser esquecido; ferramenta não é o objetivo em si mesmo, é instrumento para outra coisa. Por isso, há um ditado atribuído aos chineses no qual se diz: “Quando se aponta a lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do seu dedo”.

         O instigante Lewis Carol, na sua imortal Alice no país das maravilhas, a ser lida e relida, tem dois personagens bem expressivos para entendermos os tempos atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando para o relógio e sempre reclamando: “estou atrasado, estou atrasado”; e um insondável gato que, no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando só a cauda, às vezes só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente)na qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: Para onde vai esta estrada? O gato replica: Para onde você quer ir? Ela diz: Não sei; estou perdida. O gato não titubeia: Para quem não sabe para onde vai, qualquer cominho serve...



     Sem critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na internet, naufraga...

Mario Sergio Cortella

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