O art. 175 estatui: “Incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviços públicos”. Este dispositivo refere que tanto
a permissão quanto a concessão de serviços públicos far-se-ão “sempre através
de licitação”. Contudo, entre nós, quando se trata de concessão ou permissão de
rádio ou de televisão, tal regra é inteiramente ignorada, seguindo-se, quando
muito disfarçadamente, a velha tradição do mero favoritismo. Como se sabe é
grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Neste setor reina
– e não por acaso – autêntico descalabro. A questão é particularmente grave
porque, em País de alto contingente de iletrados e no qual a parcela de
alfabetizados que leem, mesmo jornal, é irrisória, o rádio e a televisão são os
meios de comunicação que verdadeiramente informam e, de outro lado, formam, a
seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os senhores de tais veículos
dispõem de um poder gigantesco. Deveras, como a esmagadora maioria de
brasileiros não acede, ou só muito episódica e restritamente o faz, a outras
fontes de informação ou cultura (livros, periódicos, cinema, teatro), as “mensagens”
radiofônicas ou televisivas não encontram resistência alguma; antes, com o
perdão da imagem prosaica, “penetram como faca quente na manteiga”. Em suma:
nada as rebate; nada obriga o emissor a ajustar-se a concepções do
público-alvo, pois estas serão as que lhes queira inculcar. Dado que as
emissões não se chocam com uma base cultural e ideológica medianamente consistente,
o que só ocorreria se a população estivesse abeberada e subsidiada por outras
fontes de informação ou cultura (capazes de, em sua mescla, engendrar um
substrato de opinião dotado de alguma densidade), as mensagens do rádio e da
televisão modelam livremente o “pensamento” dos brasileiros. Para servimo-nos,
ainda uma vez, da linguagem popular, ao gosto dos protagonistas destes meios de
comunicação, eles “fazem a cabeça” da Sociedade, sem quaisquer peias, modelando,
a seu talante, tanto o brasileiro de hoje como o de amanhã, pois encontram um
material quase informe, pronto para ser trabalhado. Não é de estranhar a
eficiência dos resultados. Trata-se de uma tecnologia do Primeiro Mundo – e muitas
vezes com uma qualidade e sofisticação só ali encontráveis -, operando sobre massas
do Terceiro Mundo. O sucesso eleitoral de locutores, comentaristas ou “artistas”
de rádio ou televisão comprova o envolvente poder destes meios de comunicações.
Acresce que, para contemplar o quadro confrangedor, uma única estação de
televisão detém índices de audiência nacional esmagadores, ensejados pelo
sistema de cadeias ou repetidoras de imagem – sistema que, aliás, constitui-se
manifesta burla ao espírito da legislação de telecomunicações. O pior é que não
há fundamento para alimentar-se esperanças sérias de saneamento da atual
situação. Pelo contrário. O tratamento escandaloso que a Constituição dispensou
ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar
forças tão poderosas – as maiores existentes no País. Veja-se: a disciplina da
matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei Magna. Ali se estabelece que a
outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização para radiofusão
sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional
apreciará tais atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei
de iniciativa do Presidente, para os quais este haja demandado urgência. A outorga
ou renovação só produzirá efeitos após deliberação do Congresso. Agora,
pasme-se: para não ser renovada concessão ou permissão é necessário deliberação
de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional e por votação nominal! Contudo, há
mais, ainda: o cancelamento da concessão ou permissão antes de vencido o prazo
(que é de 10 anos para as emissoras de rádio e de 15 anos para as de televisão)
só poderá ocorrer por decisão judicial, contrariando, assim, a regra geral que
faculta ao concedente extinguir concessões ou permissões de serviço público!
Celso Antonio Bandeira de Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário