domingo, 16 de junho de 2013

O Monopólio Constitucional da Mídia Radiofônica e Televisiva (grifo nosso)

O art. 175 estatui: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Este dispositivo refere que tanto a permissão quanto a concessão de serviços públicos far-se-ão “sempre através de licitação”. Contudo, entre nós, quando se trata de concessão ou permissão de rádio ou de televisão, tal regra é inteiramente ignorada, seguindo-se, quando muito disfarçadamente, a velha tradição do mero favoritismo. Como se sabe é grande o número de congressistas que desfruta de tal benesse. Neste setor reina – e não por acaso – autêntico descalabro. A questão é particularmente grave porque, em País de alto contingente de iletrados e no qual a parcela de alfabetizados que leem, mesmo jornal, é irrisória, o rádio e a televisão são os meios de comunicação que verdadeiramente informam e, de outro lado, formam, a seu sabor, a opinião pública, de tal sorte que os senhores de tais veículos dispõem de um poder gigantesco. Deveras, como a esmagadora maioria de brasileiros não acede, ou só muito episódica e restritamente o faz, a outras fontes de informação ou cultura (livros, periódicos, cinema, teatro), as “mensagens” radiofônicas ou televisivas não encontram resistência alguma; antes, com o perdão da imagem prosaica, “penetram como faca quente na manteiga”. Em suma: nada as rebate; nada obriga o emissor a ajustar-se a concepções do público-alvo, pois estas serão as que lhes queira inculcar. Dado que as emissões não se chocam com uma base cultural e ideológica medianamente consistente, o que só ocorreria se a população estivesse abeberada e subsidiada por outras fontes de informação ou cultura (capazes de, em sua mescla, engendrar um substrato de opinião dotado de alguma densidade), as mensagens do rádio e da televisão modelam livremente o “pensamento” dos brasileiros. Para servimo-nos, ainda uma vez, da linguagem popular, ao gosto dos protagonistas destes meios de comunicação, eles “fazem a cabeça” da Sociedade, sem quaisquer peias, modelando, a seu talante, tanto o brasileiro de hoje como o de amanhã, pois encontram um material quase informe, pronto para ser trabalhado. Não é de estranhar a eficiência dos resultados. Trata-se de uma tecnologia do Primeiro Mundo – e muitas vezes com uma qualidade e sofisticação só ali encontráveis -, operando sobre massas do Terceiro Mundo. O sucesso eleitoral de locutores, comentaristas ou “artistas” de rádio ou televisão comprova o envolvente poder destes meios de comunicações. Acresce que, para contemplar o quadro confrangedor, uma única estação de televisão detém índices de audiência nacional esmagadores, ensejados pelo sistema de cadeias ou repetidoras de imagem – sistema que, aliás, constitui-se manifesta burla ao espírito da legislação de telecomunicações. O pior é que não há fundamento para alimentar-se esperanças sérias de saneamento da atual situação. Pelo contrário. O tratamento escandaloso que a Constituição dispensou ao assunto revela que inexiste coragem para enfrentar ou sequer incomodar forças tão poderosas – as maiores existentes no País. Veja-se: a disciplina da matéria foi estabelecida no art. 223 da Lei Magna. Ali se estabelece que a outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização para radiofusão sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, mas que o Congresso Nacional apreciará tais atos no mesmo prazo e condições conferidos aos projetos de lei de iniciativa do Presidente, para os quais este haja demandado urgência. A outorga ou renovação só produzirá efeitos após deliberação do Congresso. Agora, pasme-se: para não ser renovada concessão ou permissão é necessário deliberação de 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional e por votação nominal! Contudo, há mais, ainda: o cancelamento da concessão ou permissão antes de vencido o prazo (que é de 10 anos para as emissoras de rádio e de 15 anos para as de televisão) só poderá ocorrer por decisão judicial, contrariando, assim, a regra geral que faculta ao concedente extinguir concessões ou permissões de serviço público!


Celso Antonio Bandeira de Melo

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