Realizar e perceber-se. Uma das principais tarefas do líder
é esclarecer a obra coletiva.
Liderança
é uma virtude, e não um dom. E, do ponto de vista filosófico, virtude é uma
força intrínseca. Por exemplo: a coragem o destemor, a iniciativa são forças
intrínseca. E virtual não é o que se opõe ao real, mas aquilo que se opõe ao
atual. Essa é uma discussão antiga na Filosofia, desde Aristóteles, no século
IV a.C. A árvore está virtualmente contida numa semente. Portanto, a semente é
virtualmente uma árvore. Quando ela passa a ser árvore, ela se atualiza. Não é
casual que em inglês se use a expressão actually no sentido de confirmação da
verdade. Quando você diz actually, em inglês, não está querendo dizer “atualmente”,
como sugere o falso cognato em português. A intenção é se referir àquilo que,
concretamente, está existindo.
Por que
partirmos dessa ideia? Porque a liderança é uma virtude que está em qualquer
pessoa, do ponto de vista virtual. O virtual precisa ser atualizado ou
realizado. Fala-se muito no campo financeiro em “realizar” lucros ou, no
Terceiro Setor, em “realizar” projetos. A expressão “realizar”, que para nós
veio do latim, invadiu o português e o inglês com sentidos que se aproximam. Fazer
com que o virtual seja realizado é fazer com que ele se torne atual, real ou,
como dissemos, no sentido de dar-se conta. Ou seja, tomar consciência. Não é
possível que qualquer homem ou qualquer mulher desenvolva qualquer trabalho se
não tiver consciência clara da finalidade daquela atividade.
Aliás,
de maneira geral, quando se vai abrir uma empresa no Brasil, pergunta-se qual a
razão social. Razão social significa dizer qual é o sentido daquilo que será
realizado. Qual a razão da sua existência? Qual é a razão de você atuar nessa
área? Por que trabalhar nesse setor? Ou: qual é a sua obra, qual o resultado da
tua obra?
A sua obra
é atuar na área de varejo? É fazer contato com cliente? É emitir ordens de
pagamento? Qual é a sua obra? É projetar planos ambientais? Projetos sociais?
Presidir uma empresa? Ser assistente bancário? A sua obra é muito mais do que
fazer uma ordemde pagamento; muito mais do que dirigir o setor de contact Center
ou do que lidar dentro de um fundo de investimento. A sua obra é muito mais
ampla do que qualqeur que seja a atividade que você realize em si mesma.
Se você
tem a tarefa de gestor, será que aquela pessoa que trabalha com você no dia a
dia tem clareza de qual é a obra dela dentro da equipe, da empresa, da
sociedade? Ou será que ela, porventura, supõe que a obra dela é apenas que está
fazendo no imediato? Essa é uma questão relevante porque uma das tarefas do
líder é esclarecer a obra coletiva.
Cuidado
com a ideia de líder no cotidiano. Cada vez mais, fala-se aos homens e às
mulheres em posição de liderança que é preciso ter tantas e tais
características, a tal ponto que isso não cabe em um ser humano. Todas as vezes
que se diz que o líder precisa fazer isso, aquilo e aquilo outro e ainda ser
assim, e dispor daquilo, enfim, não existe homem ou mulher que complete a lista
de exigências.
Ora, se
a liderança é uma virtude – portanto, uma força intrínseca-, qualquer homem e
qualquer mulher em qualquer lugar, ou função, pode desenvolvê-la. A liderança é
sempre circunstancial. Qual é a diferença entre líder e liderado? É
circunstância. Ou seja, a ocasião ou a situação.
Nenhum ou
nenhuma de nós é líder em todas as situações. Por outro lado, qualquer um ou
qualquer uma de nós é capaz de liderar alguns processos, algumas pessoas,
algumas situações.
Um exemplo
concreto: eu, Cortella, não consigo liderar a organização de uma festa com
facilidade. Há pessoas , no entanto, que têm enorme capacidade de organizar
prontamente um churrasco. Basta que se mencione essa ideia e é muito provável
que duas ou três pessoas se apresentem dizendo: “Pode deixar, eu cuido do
local, você cuida da arrecadação, eu conheço um conjunto de chorinho, você pode
buscar a cane em tal lugar”. E pronto.
Eu,
entretanto, tenho uma habilidade muito grande para organizar velório. Isso não
é piada. No meu círculo de amizade, durante algum tempo, fui encarregado de
organizar velório. Desenvolvi essa virtualidade e passei a torná-la atual. Isto
é, da primeira vez que eu enfrentei a situação, em que me avisaram que havia
falecido uma pessoa próxima, o que eu fiz? Tive de aprender. Organizei o
velório, fui buscar roupas na casa do falecido, tive de arrumar corpo, avisar
as pessoas, colocar a documentação em ordem. Eu era capaz inclusive de ir até o
momento mais difícil desse processo, em que é preciso dizer: “Pessoal, está na
hora de fechar o caixão”. Por que eu estou dando esse exemplo? Porque eu,
embora seja capaz de liderar um processo de organizar um velório, não sei
fazê-lo em relação a uma festa. Eu sou proressor e sei liderar um processo
pedagógico, mas não uma banda de música? Será que eu poderia ser maestro? Ser um
jogador de futebol? Certamente! Desde que as circunstâncias, as situações me
colocassem a ocasião. E que, com a ocasião presente, eu nela me inserisse.
O líder
é aquele ou aquela capaz, numa dada circunstância, de levar adiante pessoas,
projetos, ideias, metas. Qualquer um consegue fazer isso, desde que transforme
a sua força intrínseca numa força atual. O que reafirmo com isso, para não
cairmos numa armadilha? Não existe líder nato. Aquele apontado como: “ Esse
cara nasceu para liderar”. Observe a história dele e verá que ele foi assumindo
encargos, lidando com situações e circunstâncias que permitiram que fizesse
aquilo. Você não nasce líder, você se torna líder no processo de vida com os
outros.
O líder
é aquele que tem uma força intrínseca e qualquer um e qualquer uma de nós pode
sê-lo. Depende da circunstância e da disposição, aquilo que Maquiavel chamava
de juntar a virtu com a fortuna, ou seja, a capacidade com a ocasião, a virtude
e a sorte.
MARIO SÉRGIO CORTELLA
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