Enxergar um significado
maior na vida aproxima o tema da espiritualidade do mundo do trabalho.
Ultimamente tem-se falado em
empresa espiritualizada, líder espiritualizado. A crescente frequência com que
esses termos têm adentrado no universo corporativo pode ser interpretada como
um indício de que uma busca por um novo modo de vida e convivência está em
curso?
É um sinal, que às vezes é
positivo, outras vezes não, porque se pode cair numa dimensão esotérica, que é
perigosa. Mas a espiritualidade no mundo do trabalho é necessária. O que é a
espiritualidade? É a sua capacidade de olhar que as coisas não são um fim em si
mesmas, que existem razões mais importantes do que o imediato. Que aquilo que você faz, por exemplo, tem um
sentido, um significado. Que a noção de humanidade é uma coisa mais coletiva,
na qual se tem a ideia de pertencimento e que, portanto, o líder
espiritualizado – mais do que aquele que fica fazendo meditações e orações – é aquele
capaz de olhar o outro como o outro, de inspirar, de elevar a obra, em vez de
simplesmente rebaixar as pessoas. Então, essa espiritualidade é a capacidade de
respeitar o outro como o outro e não como um estranho e edificar, em conjunto,
um sentido (como significado e direção) que honre nossa vida.
O líder espiritualizado, com
alguma frequência e especialmente em alguns livros, aparece como alguém próximo
a um místico. Isso é muito negativo, porque a mística, vez ou outra, deriva
para o campo do fanatismo e deixa de ser radical (isto e, de ir até as raízes,
saindo da superfície) passando a ser sectária, desagregadora, o que é uma coisa
deletéria.
O desejo por espiritualidade
é um sinal de descontentamento muito grande com o rumo que muitas situações
estão tomando e, por isso, é uma grande queixa. E a espiritualidade vem à tona quando
você precisa refletir sobre si mesmo; aliás, a espiritualidade é precedida pela
angústia. De maneira geral, a angústia é um sentimento sem objeto. Quando você
fica triste, é por alguma coisa. Quando você está alegre, é por algum motivo. A
angústia se sente e não identifica o objeto. Você se levanta e “não sei o que
está acontecendo, estou com uma coisa, um aperto aqui no peito”. É uma sensação
de “vazio interior”.
Martin Heidegger, grande
filósofo alemão do século XX, dizia que a angústia é a sensação do nada. E ela
é positiva num ponto, pois o nada é a possibilidade plena. Quando se pode
sentir o “nada”, todas as opções se apresentam e todos os horizontes são
possíveis. É um jogo que fazemos em Filosofia, mas que tem um fundo forte de
reflexão, na medida em que, na prática, você está dizendo o seguinte: a
espiritualidade é a resposta a um desejo forte de vida ter sentido, de ela não
se esgotar nem naquele momento, nem naquele trabalho.
Ora, há certo exagero na
postura que não identifica no trabalho qualquer forma de prazer. Ao contrário,
a noção de prazer não é só a fruição imediata, mas é a de sentir-se bem no
lugar. E são milhares e milhares de pessoas que se sentem bem fazendo o que
fazem, nos hospitais, nas fábricas, nas redações, nas escolas. Nós, inclusive,
temos o hábito de, quando alguém sai de casa, dizer “bom trabalho”, como se
fosse “bom passeio”, como uma forma de comunicação.
Claro, nenhum de nós deixa
de ter dissabores em relação ao cotidiano, mas a causa não é o trabalho em si. A
questão é que as granes metrópoles vêm hoje, de fato, furtando muito tempo da
vida cotidiana das pessoas. Não pelo número de horas que você passa no
trabalho, mas especialmente porque o deslocamento nas grandes cidades para se
trabalhar – como no Rio de Janeiro, em São Paulo e Porta Alegre, por exemplo –
toma duas, três horas, no mínimo, do seu dia a dia apenas para se chagar ao
local de trabalho. Esse número de horas se agrega à ideia de que você está
trabalhando. Nós não teríamos a mesma percepção se fossemos à praia, ou a um
show, ou ao cinema. Aliás, a própria legislação trabalhista considera que o seu
deslocamento em direção ao posto de trabalho. Não é pago como hora extra, mas é
trajeto de trabalho para efeito de acidente, de ocorrência, e assim por diante.
Em relação ao mundo do
trabalho, eu não tenho nem uma visão catastrofista nem uma visão triunfalista. Acredito
nós estamos hoje com uma crise no conjunto da vida social, do qual o trabalho é
a penas um pedaço. Mas não é só o trabalho; a família também, o modo como se
lida com os meios de comunicação, a relação entre as gerações, a própria
escola. Então, nós estamos em um momento de transição, de turbulência muito
forte em relação aos valores. Dessa forma, insisto, o mundo do trabalho é um
mundo no qual também caba a alegria, a fruição.
Temos carência profunda e
necessidade urgente de a vida ser muito mais a realização de uma obra do que de
fardo que se carrega no dia a dia.
Mario Sergio Cortella
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