Ovídio, poeta latino do
começo da Era Cristã, bastante afamado na sociedade romana da época pelas
poesias eróticas que escrevia, anotou em
uma delas, Os amores, um verso que
nos parece sempre familiar: “ Sob o doce mel escondem-se venenos terríveis”. Tal
sentença lembra tanto um discurso enganador, camuflado, falso, quanto o costume
antigo de lambuzar antes com mel a borda do recipiente no qual uma criança
teria de sorver um líquido ou remédio amargo.
Ainda no século I, outro
latino, Marcial, satírico criador de curtos poemas chamados Epigramas, ao fazer
menção a uma mulher que procurava dissimular algumas rugas no ventre usando
farinha de fava, disse: “adoças-me os lábios”, isto em linguagem mais
contemporâneas a nós, “douras a pílulas”.
Curiosamente, toda a vez
na qual se inicia em nossa mídia o período mais intenso das propagandas
eleitorais, é comum as pessoas se irritarem, reclamando da “invasão”, reagindo
com sacarmos e dizendo o popular “me engana que eu gosto”. Cautela, ou, como se
diria em outros tempos, alto lá! Essa é uma postura arrogante e ingênua, pois
entende que os acobertamentos das reais intenções sejam uma exclusividade da
publicidade presente no “mercado” da política, deixando de prestar atenção
também na “política” do mercado, impregnada de douradas pílulas venenosas.
Quais são os mais comuns
apelos do desvario materialista expostos à exaustão por algumas propagandas e
desafiantes para uma inteligência que ultrapasse a mediocridade? Carros que
desenvolvem tanta velocidade nas estradas que tem-se a impressão de que foram abolidas
as leis de trânsito; liquidações em shopping com tão radical diminuição dos
preços que antes eram cobrados que se fica imaginando o enorme “prejuízo” que
as lojas terão; promoções de grandes redes de supermercados que anunciam vender
tudo abaixo do custo a ponto de imaginarmos a anulação dos princípios básicos
da ciência econômica e a iminente falência desses grupos; cantores sertanejos
proclamando a qualidade insuperável de móveis
fabricados em escala industrial, levando-nos a supor que, agora sim, com
esses produtos, a casa está bem mobiliada.
Mais? Os exemplos de
indigência mental mascarada ainda são muitos. Atores televisos exaltando as
vantagens de consórcios imobiliários e mostrando como só assim foi possível
adquirirem a casa mostrada ao fundo e, felizmente, puderam ter “um teto”;
heróis do esporte nacional recomendando o consumo de alguns complexos químicos
para sustentar a saúde e a vitalidade exemplar; artistas da exibição erotizante
sugerindo a obtenção de silhuetas similares às delas a partir do uso fugaz de
aparelhos eletromecânicos e da ingestão de poções milagrosas; atores desejados
e jovens recomendando beber, como eles, comente a cerveja que atrai todas as
mulheres disponíveis, e insinuando serem todas (garrafas e mulheres) “one way”
etc.
Precisas ter! Precisas
comprar! Precisas experimentar! Precisas possuir! Precisas de tudo, qualquer
custo, de qualquer modo! Ora, promessas vãs, momentaneamente alegrias, sentidos
descartáveis; é o reino das aparências, o primado da reclusão em uma insaciável
procura por uma resposta que está além do consumismo tresloucado. Doce mel,
terrível veneno...
É por isso que Santo
Agostinho (345-430), principal teólogo cristão da Patrística e extremamente
atual em muitas de suas reflexões que fez, escreveu na obra A cidade de Deus (ao pensar sobre a
felicidade mais perene) algo que nos serve sempre: “Não pode saciar a fome quem
lambe pão pintado”.
MARIO SÉRGIO COTELLA
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